Caro Bean,
Há alguns dias nos conhecemos e confesso que me surpreendi muito com a sua pessoa. Dado o meu grande interesse pelos seres humanos, desde então procurei uma aproximação pois você se mostrou muito peculiar e eu, como cientista ou poeta que sou (talvez um pouco dos dois) tenho sentido falta dos nossos papos nesses últimos dias e por isso resolvi lhe escrever este email que, como você me disse sobre seu livro, que eu espero que seja lançado em breve, pode ser considerado um email de auto-ajuda ou mesmo, sem desejar ser muito pretensioso, ser interpretado pelo ponto de vista da poesia como um poema...dada a inspiração que me motivou a escrevê-lo. Peço para que se esforce e leia todo o conteúdo deste email e tente entender o máximo possível do que eu estou tentando lhe falar. Tentarei ser o mais claro possível e se você não entender alguma parte, peço para que releia todo o texto e reflita sobre tudo o que eu lhe disse nos nossos breves encontros.
Sei que você almeja a poesia e pretende usá-la como instrumento para dar sua contribuição aos outros seres e acho isso muito nobre de sua parte. Também sei que os valores abordados nas suas obras não representam nenhuma contribuição para a ciência pois se tratam de assuntos triviais que vêem sendo discutidos desde os primórdios da humanidade. Mesmo assim, admiro sua coragem em falar destes assuntos que, ao que também me parece, andam meio esquecidos entre nós. Por isso estou muito curioso para ler seu livro...gostaria de lhe entender melhor através dele e ver se o que você clama nele pode ser humanamente alcançado por outros ( considero aqui que você já tenha alcançado tal nível e tenha a intenção de fazer com que outros também o alcancem, por isso insisto para que você me o envie o quanto antes possível).
Quanto às poesias...ainda não conheço nenhuma de sua autoria, mas como lhe disse, sou um enorme apreciador desta arte. Peço desculpas novamente se lhe magoei ao dizer, quando lhe perguntei se você gostava da obra de Carlos Drummond de Andrade e você respondeu que não o conhecia, que isso era uma heresia. Na verdade, eu só queria lhe mostrar o quanto eu admiro a obra deste que é, para mim, o maior poeta da nossa língua.
Não chegamos a discutir sobre isso, mas para mim, os grandes poetas são seres de extrema sensibilidade e procuram entender, como ninguém, a natureza humana, seus sofrimentos e angústias e também suas alegrias, é claro. Acredito que por isso estes seres são tão vulneráveis e fazem da dor e angústia alheia, sua própria dor. Foi por acreditar não possuir tal sensibilidade que eu lhe disse não ser também um poeta, lembra? Sempre tive muito medo de produzir algo que seja tachado de “artsy-fartsy”. Para mim, um grande poeta saberia reconhecer que um beijo, mesmo que telepático, é na sua essência um beijo e ficaria com o rosto enrubescido diante de tal ousadia. Acho que a poesia não pode ser vista como profissão pois não se aprende a sentir o sentimento dos outros, essa é uma característica intrínseca dos grandes poetas e é exatamente isso que os tornam tão magníficos. Para nós, pobres mortais, resta-nos apenas tentar captar essa essência ou sintetizá-la de alguma forma a fim de que possamos produzir algo que mereça a denominação de poesia, mesmo que esta tenha que vir seguida da palavra amadora para alertar ao leitor sobre a pobre condição do autor.
É por isso que considero de extrema importância a leitura dos grandes nomes, não somente da poesia, mas também das outras formas de artes que expressam os sentimentos humanos como música, romances, pinturas etc. porque tenho certeza que isso irá enriquecer sua obra e você, como o poeta que se denomina, irá se deleitar nesta atividade. Deixo aqui, minha humilde sugestão para que você comece por Carlos Drummnond de Andrade. Ficarei muito grato se, ao se deliciar com um de seus poemas, você se lembrar que foi minha a sugestão.
Lembro de você me dizer também que adora viver no “mundo da lua” e que passa o tempo todo pensando e usando o seu celular para anotar estes pensamentos. Tenho outra sugestão para lhe dar com relação a isso pois, este fato me lembrou um desenho animado que eu costumava apreciar na minha nem assim tão remota infância. Creio que você nem vá se lembrar pois acredito que tenha se dedicado a outros entretenimentos na sua infância, ainda mais breve que a minha.
Trata-se da história do pequeno príncipe, um menino adorável que habitava sozinho um planeta vizinho ao nosso e que, por vezes, pegava carona na calda de um cometa e vinha nos visitar. Durante estas visitas, ele aprendia muito sobre nós e deixava também suas preciosas lições para que nos tornássemos melhores a cada dia. Pois bem, espero que você aprenda com este pequeno ser e, sempre que possível, pegue carona com o primeiro cometa que passar e venha nos fazer uma visita. Quanto às anotações no celular, creio que você poderá se dedicar menos a elas e talvez assim, captar aqueles preciosos momentos que nos inspiram e nos levam a sentir toda a plenitude da nossa maravilhosa existência como humanos. Digo isso porque acredito que para um poeta, mais importante que escrever, é sentir...e nós sabemos bem que nenhum sentimento pode ser traduzido em palavras com real precisão. A poesia também tem seus limites.
Espero que entenda, com carinho, as críticas que lhe faço e perceba que minha intenção é, sobretudo, de enriquecer sua obra.
Confesso aqui que nossos breves encontros me marcaram e eu desejo sinceramente que eles também tenham te marcado. Não me refiro aqui às marcas de mordidas que você me mostrou no seu corpo, fruto de uma tentativa de assalto ou seja lá o que for. Lamento que este desafortunado encontro que você teve com este michê tenha lhe custado a bicicleta e, graças a sua corajosa reação, não veio a lhe custar também o celular. Não se preocupe porque estas marcas de mordida sumirão. Já as marcas a que antes me referia, estas ficarão. Devo também aqui lhe agradecer por elas, pois tenho certeza que me ajudarão a me tornar uma pessoa melhor.
Espero que você consiga outra bicicleta em breve e que tenha mais sucesso nos seus próximos passeios.
Também me lembro que você me contou este caso no dia em que eu estava lhe levando até sua casa e me recordo que você ficou extremamente abalado ao ver esta criatura. Confesso que neste dia, também cheguei a odiá-lo, mesmo sem conhecê-lo, porque percebi que ele tinha lhe causado tanto mal. Mas também devo lhe confessar que, ao pensar neste assunto hoje, fico muito feliz....sei que naquele dia você também ficou pois eu estava do seu lado.
Me despeço aqui, reafirmando que continuo esperando a sua obra para que eu também possa apreciá-la e aprender com ela...assim com eu aprendi com você. E, caso queira uma análise crítica sobre o seu trabalho, terei o maior prazer em fazê-la, com a mesma sinceridade que sempre despendi a sua pessoa.
Peço para que faça isso, de preferência, antes de publicá-la porque gostaria de ver nela, algo que você tenha aprendido comigo. Mas não tenha pressa...ficarei esperando o momento em que você se julgará preparado. Não sei por quanto tempo estarei em sua cidade, por isso lhe escrevo do meu email pessoal. Com ele você poderá me encontrar, independente do dia e do lugar onde eu estiver, e quando o seu email chegar, prometo dedicar uma excelente hora do dia para apreciá-lo e ficarei muito honrado em poder dizer aos meus amigos que conheci pessoalmente o autor de tal obra de arte.
Caso resolva não me enviá-la, ficarei mesmo assim aguardando sua obra editada e publicada e, ao visitar uma destas belíssimas livrarias que existem aqui ou em qualquer outro lugar, lembrarei com louvor da sua pessoa e meu orgulho se fará ainda maior.
Por fim, deixo um poema de minha autoria. O primeiro e até o momento, único. Só o escrevi porque sinto ter me ocorrido a inspiração para isso. Sinta-se livre para criticá-lo. Você é a pessoa mais indicada para isso. Também mando um dos poemas que mais gosto, de autoria do meu ídolo, Carlos Drummond de Andrade. Assim como nossos encontros me serviram de "start up", espero que algum deles lhe sirva para aguçar em você esta incrível sensação que também percebo agora.
Do seu amigo,
Poeta Mudo.
Praça dos Horrores (amador)
Caminhando pela praça dos horrores,
Seguindo pela rua das desilusões, eu lhe avistei
Parecia uma lua a reluzir sobre todas as criaturas do pântano
E fui então enfeitiçado por este astro em forma humana
Sabia o quanto era improvável este encantamento
E por vezes me julguei inferior
Queria ser astro,
Queria brilhar sobre os seres
Que habitam este universo
Mas a realidade se apressou
E me mostrou que só existe uma lua,
Alva e a brilhar no céu
Então o dia veio,
E trouxe com ele suas revelações
E eu revelei a minha mentira
E graças a ela descobri a sua falsa verdade
E pude perceber com horror
A lama também existente em seu rosto
A mesma lama que existe
Em todas as criaturas que habitam o pântano
Da praça dos horrores.
Amar – Carlos Drummond de Andrade
Que pode uma criatura senão,
Senão entre criaturas, amar?
Amar e esquecer,
Amar e esquecer
Amar e malamar,
Amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto o ser amoroso
Sozinho, em rotação universal, senão
Rodar também, e amar?
Amar o que o mar traz a praia,
O que ele sepulta, e o que na brisa marinha
É sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
O que é entrega ou adoração expectante,
E amar o inóspito, o áspero,
Um vaso sem flor, um chão de ferro,
E o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
Distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
Doação ilimitada a uma completa ingratidão,
E na concha vazia do amor a procura medrosa,
Paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
Amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
sexta-feira, 7 de setembro de 2007
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